março 05, 2015

Capítulo 6 – Vingadora Sagrada

Elisabeth Taylor era nativa do reino de Deheon, o reino capital do mundo de Arton. Nasceu e se criou em um vilarejo pequeno e simples, chamado Cavalo Branco, próximo à cordilheira conhecida como Montanhas de Teldiskan. Teve uma infância simples e pobre, já que o sustento da família ficava a cargo exclusivamente de sua mãe, a senhora Natali Taylor. Seu pai morrera, ainda muito jovem, defendendo a vila de um ataque orc. Treze anos antes a vila fora invadida por um grupo de Orcs sedentos por destruição e, já que na vila não havia nenhuma pessoa com coragem ou habilidade suficiente para enfrentá-los, o senhor Nolan Taylor se viu encarregado de agir e proteger sua família e aquelas pessoas indefesas. Confiava que se ele desse o primeiro passo a fim de expulsar os invasores, a vila o acompanharia e o ajudaria em sua investida. Ledo engano. Ele se viu sozinho, cercado por sete monstros imensos, enquanto seus olhos procuravam ajuda. Um único golpe foi desferido, Nolan foi decapitado e saqueada pelas criaturas.
Assim Lisbeth cresceu sem pai. Sentia um grande orgulho dele, considerava-o um verdadeiro herói. E odiava os orcs com todas as suas forças, seriam seus inimigos mortais para sempre. A história trágica de seu pai a inspirava e, sempre que um bardo passava pela vila ela lhe pedia que contasse feitos dos grandes heróis do mundo. Assim ela foi crescendo e junto com ela o desejo de se tornar também uma heroína, de sair pelo mundo e viver aventuras. Foi aos dezessete anos que seus desejos foram finalmente ouvidos por alguém.
Foi numa noite tempestuosa que ela teve o primeiro sonho. Já sonhara antes, claro, mas não como daquela vez. Em seu sonho, uma garotinha ruiva caminhava em sua direção com um sorriso estampado no rosto, ao mesmo tempo em que seus olhos mostravam certa preocupação. Ela se aproximou e tomou sua mão, olhou profundamente em seus olhos e disse:
_ Olá minha jovem! Eu ouvi suas suplicas por uma vida diferente e estou aqui para lhe oferecer isso. Estarei olhando por você e te ajudarei e te guiarei por toda vida caso queira, entretanto esteja ciente de que, caso você aceite, estará sempre sendo posta à prova.
Mesmo acreditando que tudo não passava de um sonho esquisito, Lisbeth acreditava nas palavras da garotinha e não as tirava da cabeça. Na noite seguinte não voltou a sonhar com a menina, nem nos dias seguintes. Somente depois de uma semana ela retornou aos seus sonhos. Desta vez vinha saltitando por um campo de flores que desabrochavam à sua passagem. Disse que a vila corria perigo, que uma grande seca viria nos dias seguintes e que todos deveriam se prevenir.
Na manhã seguinte, Lisbeth reuniu a vila, subiu em um barril e anunciou sua profecia. Todos riram dela e a deixaram plantada no meio da rua, sozinha. Apenas um garoto, de cerca de dez anos, lhe deu crédito e permaneceu ao seu lado. Uma grande amizade começou naquele momento e juntos foram armazenar comida e água. Apesar de estarem protegidos das frias Montanhas Uivantes pelas Teldiskan, uma forte onda de frio veio antes do inverno chegar, congelando os riachos próximos a afastando as chuvas. As plantações foram pegas repentinamente na geada e morreram. Mas, graças a Lisbeth e a seu novo amigo, D’Arc, a vila tinha alguma reserva de comida que permitiu que sobrevivessem, ainda que com privações, por dois meses até a seca findar. Os aldeões, então, começaram a dar algum crédito para a jovem profeta.
Quatro meses se passaram até Lisbeth ter um novo sonho profético. Desta vez a garota tinha ar extremamente preocupado. Disse que uma doença se espalharia, transmitida por coelhos. Todos deveriam tomar um chá de ervas específicas durante três dias quando vissem os animais rodeando a vila ou muitos morreriam. No dia seguinte ela reuniu os moradores na taverna e anunciou o perigo. Mas a ideia de uma doença de coelhos “pegar em gente” era tão absurda que ela foi novamente ridicularizada em público. Os dias se passaram e nada aconteceu, nem sinal de coelhos ou doença chegou a Cavalo Branco. A fé de Lisbeth na garotinha dos sonhos era posta à prova.
Meses se passaram e muitos outros sonhos provaram ser apenas alarmes falsos. Lisbeth foi totalmente desacreditada e tida como louca e ela própria passou a não mais acreditar e começou a ignorar seus sonhos. Somente o jovem D’Arc continuava a seu lado, confortanto-a.
Numa manhã de valag, logo após completar seu vigésimo aniversário, Lisbeth olhou para o céu e teve um mau pressentimento. O sol estava pálido e a brisa vinda das montanhas trazia um tênue cheiro de sangue. Algo ruim estava para acontecer. Foi quando o sol estava a pino que tudo começou. A correria se instalou na aldeia e gritos e choro puderam ser ouvidos à distância. A vila era novamente invadida por orcs.
Os monstros caminhavam impunes pelas ruas, armados de machados, deixando rastros de sangue e destruição por onde passavam. Então algo inesperado os deteve. Parada no meio da rua, encarando as bestas imundas, estava Lisbeth. A exemplo de seu pai, o herói que tanto admirava, iria enfrentar os invasores. Mas, não sozinha. Ao seu lado estava D’Arc, demonstrando mais coragem que toda a vila junta. A dupla investiu contra as criaturas, Lisbeth empunhando um rastelo desgastado e D’Arc armado com uma espada de madeira.
Os orcs acharam graça daquela cena. Uma mulher e uma criança os desafiando com armas de brinquedo. Confabularam em seu idioma grotesco e um deles deu um passo à frente, de peito descoberto, para receber os golpes dos dois humanos e humilhá-los antes de exterminá-los. O rastelo se desfez em pedaços ao tocar o couro fétido do monstro, para desespero de Lisbeth. Mas a espada de madeira, a arma mais improvável de todas, se cravou profundamente no peito da besta, fazendo-a tombar. O garotinho retirou sua espada do corpo do inimigo morto, virou-se para a amiga, deu um sorriso e fez um gesto de vitória. Lisbeth mal teve tempo de comemorar, pois um machado voou na direção do amigo, cravando-se em suas costas antes que ela pudesse fazer qualquer coisa para acudi-lo.
Lisbeth agarrou o corpo sem vida de D’Arc e gritou, enfurecida. Seu rugido podia ser ouvido a quilômetros, era algo sobrenatural. Os orcs abandonaram a vila amedrontados. Lisbeth lamentava a morte de seu amigo, amaldiçoando-se por não ser capaz de usar as magias de cura que os anciões e bardos diziam existir. Foi em meio ao seu ódio e desespero que a garotinha dos sonhos tornou a aparecer, como uma voz em sua mente. Lisbeth a culpava pela morte do menino. Se tivesse recebido um sonho de alerta, aquela tragédia teria sido evitada. Mas a garotinha a advertiu.
_ Acalme-se, jovem! Seu povo, por um bom tempo, duvidou de seus sonhos e até mesmo você perdeu a fé, e por isso eu não lhe concedi mais os sonhos e deixei de lhe visitar. Mas não se preocupe, minha criança, pois eu jamais deixei de lhe acompanhar e lhe proteger, até mesmo agora contra essas criaturas do Deus da Morte, eu a protegi. Mas tive que lhe dar uma lição para que você recuperasse a fé. Do mesmo jeito que no mundo há vida, também temos que compreender a morte. Isso é natural na existência. Eu afugentei aqueles monstros para que você não os enfrentasse em seu ímpeto de fúria. Você ainda não está preparada para tal desafio, mas, se seu desejo de ajudar pessoas como esse garotinho for de fato verdadeiro, assim como o de se tornar uma heroína, como seu pai, você deve ter fé em mim e seguir minhas palavras. Parta desta vila quando achar que está pronta e comece sua jornada. Você não é planta para criar raízes num lugar assim. Deve sair pelo mundo treinando e ajudando meus filhos, e lembre-se que o desejo de ajudar o próximo deve ser mais forte do que qualquer sentimento de vingança!
Um mês depois da tragédia, Lisbeth deixou Cavalo Branco, despedindo-se apenas de sua mãe. Rumou para o norte durante 4 dias e quatro noites, margeando as montanhas, quando finalmente encontrou uma enorme construção. Pessoas treinavam arte militar e outras praticavam orações e magia em um pátio murado diante do prédio imponente cravado na base da cordilheira. No centro do pátio murado havia uma enorme estátua de uma mulher ajoelhada como a face a as mãos ao alto em súplica. Era um templo erigido à Deusa da Humanidade, Valkaria.
Lisbeth se sentiu confortável e estranhamente atraída por aquele lugar. Foi recebida por uma bela mulher de orelhas pontudas, uma elfa. Contou-lhe sua história e foi saudada pela elfa. Seu nome era Galar e explicou que aquele o que era aquele lugar. Todos ali, fossem sacerdotes, guerreiros sagrados ou simples cavaleiros, serviam à deusa Valkaria, combatendo o mal e cuidando da segurança das fronteiras do reino. Eram conhecidos como os Patrulheiros da Deusa e Lisbeth foi convidada a se juntar a eles.
Cinco meses se passaram desde a chegada de Lisbeth ao templo quando ela voltou a sonhar com a garotinha. Desta vez, entretanto, a menina vinha na forma de uma mulher adulta, semelhante à estátua do templo.
_ Finalmente você encontrou sua vocação, criança. Por isso vim abençoá-la – disse Valkaria. – E trago-lhe também um presente – ao lado da deusa estava um garoto que ela bem conhecia, era D’Arc. O menino sorria para a amiga, não havia qualquer sinal do ferimento que causara sua morte. Estava feliz. – De hoje em diante você será uma de minhas enviadas, para espalhar minha palavra pelo mundo e proteger meus filhos e ensiná-los a superar qualquer desafio, mesmo que seja a própria vontade dos Deuses. - Lisbeth foi abençoada e tornou-se uma guerreira sagrada, uma paladina a serviço de Valkaria.
Cinco anos se passaram, Lisbeth vivia feliz patrulhando as fronteiras de Deheon, aventurando-se, vencendo perigos e sendo heroína como seu pai. Mas seus dias de alegria teriam um fim, um trágico fim numa noite sem lua, em 22 de salizz do ano de 1400, uma data que não sairia de sua mente. Retornava para casa após sua primeira e bem sucedida missão solo. Conseguira rechaçar um grupo de orcs que atacava uma pequena vila rural. Não tinha derrotado os inimigos sozinha, mas suas atitudes tiveram peso decisivo na vitória. Armara e treinara os aldeões, planejara uma estratégia de resistência, preparara armadilhas. Ao final da noite de batalha, os orcs estavam todos vencidos. Os poucos restantes não voltariam tão cedo a atacar, e, se o fizessem, seriam recebidos com flechas.
Ansiava por rever novamente o templo e por estar entre seus irmãos de fé uma vez mais. Mas, aquilo que era um sonho prestes a se realizar, tornou-se um terrível pesadelo. Antes de sequer poder avistar o templo na curva da estrada, Lisbeth já podia ouvir os gritos. Sacerdotes e guerreiros sagrados, destemidos e protegidos por sua deusa gritavam em pânico, como se a deusa os tivesse abandonado. Lisbeth acelerou a cavalgada e viu o templo tomado por chamas.
Correu como o vento, atravessando os portões e viu, com assombro, que o fogo engolia tudo. Clérigos se arrastavam pelo chão, aos prantos, enquanto as labaredas os consumiam. Mas, havia algo errado. As chamas eram azuladas e, embora arruinassem a estrutura do templo, não emitiam qualquer traço de calor, nem fumaça. Então Lisbeth viu algo que quase a deixou em choque. Um dos noviços rastejava até ela, pedindo por auxílio. O fogo azul envolvia seu corpo com ferocidade. O jovem tombou a meio metro da guerreira, sem vida. Seu corpo tornou-se cinzento, não negro como era esperado, e transformou-se em uma estátua de pedra porosa e fria. O fogo desapareceu do corpo do jovem junto com sua vida.
Lisbeth percorreu os corredores do templo, que agora era adornado por estátuas suplicantes de seus antigos habitantes. No átrio que ficava atrás do templo testemunhou uma cena horrível. Galar estava de quatro no chão, ofegando. Diante dela, um robusto orc empunhava um enorme machado, Era um orc parrudo, protegido por uma grossa couraça de metal brilhante. Em seu peito um estandarte, de uma rosa vermelha rodeada por cristais de gelo, adornava a armadura. A criatura olhava para Galar, com desprezo. Ergueu a arma acima da cabeça e num só golpe degolou a elfa.
Lisbeth correu em direção ao monstro, mas uma voz em sua mente a deteve.
_ Não vá! Cuidado! Não toque as chamas! – era D’Arc.
Lisbeth deteve-se e assistiu, impotente, enquanto o orc recolhia a cabeça do solo e enfiava em um saco. A criatura deu as costas para a humana e começou a escalar o muro no fundo do templo. Lisbeth arremessou sua espada, atingindo-o de raspão na cintura.
_ Desgraçada! – cuspiu o orc. – Se eu não tivesse uma missão para cumprir para a feiticeira, eu acabaria com você agora mesmo. Mas não quero me demorar e tomar outra bronca dela. Se tiver coragem, me procure no reino da madeira negra e eu acabarei com você lá, sua vadia!
O monstro saltou por sobre o muro. Lisbeth correu, dando a volta e evitando as chamas, mas, quando chegou ao fundo do templo, não encontrou qualquer vestígio da criatura. Tinha sumido como que por mágica.
Lisbeth tentou encontrar sobreviventes no templo, mas ela era a única que sobrara, não havia mais ninguém que pudesse vingar aquelas pessoas e punir aquele monstro. Pior, o fogo sombrio que consumira as vidas e transformara os corpos em estátuas tinha alguma propriedade estranhamente maligna. Lisbeth sabia que as almas dos seus irmãos de fé não tinham partido para o reino de sua deusa. Coisa que a voz de D’Arc lhe confirmou.
_ Eles jamais poderão descansar em paz se você não fizer algo, Lisbeth. Suas almas sofrerão tormento eterno se você não os ajudar – disse o espírito do menino.
Ela, então, tomou uma decisão. Faria a justiça ela mesma. Caçaria o animal fétido e o mataria.
Assim, Lisbeth montou em seu cavalo e partiu. Viajou muitas léguas até finalmente chegar a Tollon, o reino da madeira negra. Seguindo pela estrada principal, foi em direção à capital. Começaria sua busca por lá. Mas, numa noite sem lua, enquanto cavalgava a passos lentos, para poupar seu animal do esforço excessivo, Lisbeth ouviu o som da flauta de Mavastus e o delicioso cheiro dos cogumelos e pensou se poderia dividir a fogueira e descansar um pouco. No fim, acabou se unindo a um bando de desconhecidos, com histórias parecidas, e derrotado um enorme troll ao lado deles.
_ É como disse Mavastus, o que aconteceu com seu templo é parecido ao que aconteceu em meu acampamento – disse Griel, quando Lisbeth terminou seu relato. A paladina não revelara os detalhes de sua infância, apenas os eventos no templo de Valkaria. – Você disse que aconteceu numa noite de lua em treva. Foi o mesmo comigo, com Theon e agora, hoje, em Vallahim.Com vocês também foi o mesmo? – perguntou, apontando para Toph, Celerin e Mhurren.
_ É, eu também estava pensando justamente nisto – disse Cieri. – Parece que é algum tipo de ritual, que só pode ser feito em noites de lua em treva. Você, menina! – dirigiu-se para Toph. – me encheu a paciência há pouco mas até agora não disse nada sobre você. Vamos lá, comece a tagarelar, menina.
A garota retrucou o comentário rude de Cieri e depois contou a todos o que acontecera em Kazordoon. Ao final, fez uma nova provocação à meio-demônia.
_ Não vão começar novamente vocês duas! – era Griel, interrompendo o início de uma nova discussão. Theon o apoiou. – E quanto a você, tem algo parecido a nos contar? – disse, dirigindo-se a Celerin. – Será que não confia nem mesmo em um irmão elfo para contar sua história.

Celerin se levantou, retirando o capuz e confirmando a todos o que Griel já sabia. Era um elfo. Mas não vinha da mesma linhagem que Griel, ele tinha uma ascendência diferente, algo que ele resolveu ocultar por ora, limitando-se a revelar apenas o que fosse pertinente naquele momento.

março 04, 2015

Capítulo 5 - Proscrito

Como a maioria dos elfos do mundo de Arton, Griel Edhelel nasceu e cresceu no antigo reino élfico de Lenórienn. A monumental cidade-estado era uma verdadeira joia incrustada na floresta. Suas torres erguiam-se, imponentes, na paisagem de Lamnor, o antigo continente sul. Era o orgulho da raça élfica. Mas, foi esse orgulho que levou esta majestosa raça à sua derrocada.
Os elfos chegaram eras atrás a Lamnor, vindos de navio de algum outro continente esquecido. Ocuparam uma vasta porção do continente sul, construindo ali seu reino. O local era habitado por diversas outras raças e monstros, dentre estes últimos estavam os hobgoblins. Estas criaturas não ficaram nada felizes com a “invasão” élfica e uma guerra teve início. Durante séculos os hobgoblins tentarão em vão destruir o reino élfico no conflito que ficou conhecido como Infinita Guerra. Os elfos eram superiores aos seus rivais, tanto tecnologicamente quanto taticamente. Possuíam guerreiros melhores, armas melhores, magias. E assim, incursão após incursão os goblinóides eram derrotados.
Enquanto os hobgoblins tentavam destruir os elfos, outras raças os desejavam como aliados. Humanos que habitavam o continente sul formaram uma aliança e foram negociar com seus vizinhos. Mas os elfos se julgavam superiores demais, consideravam-se a perfeição, e desta forma jamais se aliariam a seres inferiores. Os humanos foram humilhados e retornaram para seus reinos indignados. Assinaram, então, um tratado que foi decisivo na derrota dos elfos, o tratado de Não Interferência em Assuntos Élficos. Nenhum reino interferiria nos assuntos dos filhos de Glórienn, fosse para bem fosse para mal, em qualquer circunstância que fosse.
Então, uma antiga profecia bugbear se cumpriu, e o general Twor Ironfist nasceu. Reuniu as tribos de sua raça e as treinou, transformando-as em um exército organizado. Fez aliança com as outras espécies de goblinóides e outros monstros, criando a assim chamada Aliança Negra, composta de goblins, hobgoblins, orcs, bugbears, kobolds, gnols, trolls, ogros e muitas outras criaturas malignas. Como prova de boa-fé para firmar tratado com os hobgoblins, Twor levou seus exércitos, treinou os aliados e conseguiu o que parecia impossível. Derrotou os elfos. Seus exércitos marcharam sobre a cidade, profanando, destruindo e violando tudo o que encontravam em seu caminho. Nos momentos finais da batalha decisiva, diversos mensageiros foram enviados para pedir auxílio aos reinos humanos – os elfos engoliam seu orgulho. Mas já era tarde, pois os mensageiros que conseguiam retornar vivos traziam más notícias. Os humanos se recusaram a ajudar os elfos, seguindo seu tratado. “Se são superiores, que se virem sozinhos” – respondiam alguns regentes aos mensageiros. E entre estes mensageiros, estava Griel.
Junto com seu pai, Thrundil, servia ao exército de Lenórienn. Atuava como batedor e era exímio rastreador. Era capaz de detectar os rastros mais sutis, graças ao fato de ser daltônico, e segui-los sem que fosse notado por suas presas. Por isso foi escolhido para ser um dos mensageiros que buscariam auxílio. Griel cruzou as fronteiras do reino furtivamente, passando através das linhas inimigas em segurança. Viajou rapidamente até o reino vizinho de Neridian. E sequer conseguiu falar com o regente. Foi enxotado da porta, como um animal infecto. A arrogância com que seus compatriotas tinham tratado os humanos agora era devolvida. Griel retornou com sua resposta o mais rápido que pode. Havia dias que tinha deixado sua pátria e ansiava por juntar-se ao terceiro batalhão, para combater os inimigos junto com seu pai. Ressentia-se da ordem que tivera que cumprir. Deixara seu posto desnecessariamente, já que os elfos não precisavam de ajuda para derrotar novamente aquelas criaturas inferiores. E, principalmente, jamais precisariam da ajuda de uma raça inferior como a dos homens. Eles eram elfos, eram filhos de Glórienn, eram a perfeição. Mas, seu senso de superioridade caiu por terra quando avistou as majestosas torres de marfim sendo derrubadas e os exércitos pútridos do inimigo marchando cidade adentro, sobre as muralhas destruídas de sua amada cidade. Quando finalmente chegou ao perímetro urbano, já era tarde demais. Lenórienn caíra. A raça perfeita fora derrotada.
Griel procurou por algum sobrevivente, mas nada encontrou a não cenas de morte e de sofrimento, por onde quer que passasse. Não havia pista do paradeiro de seu pai, que deveria ter sido morto junto com os outros soldados, ou de sua mão, Legoriel. Encontrou apenas o arco de seu pai e sua velha caixinha de fumo, naquilo que restara de sua casa, e os guardou. Seriam as únicas recordações que levaria consigo de seu amado lar. Avistou um batalhão hobgoblin não distante dali, não era mais seguro ficar ali. Mas Griel não se importava mais com sua vida. Queria exterminar, uma por uma, aquelas aberrações. Carregou o arco, mas antes que pudesse disparar, uma mão forte o agarrou e o puxou para trás de uma mureta. Era seu tio, Eruenvinyanto.
_ Você não honrará Glórienn ou seus pais morrendo aqui estupidamente, filho de Thrundil! – disse o elfo mais velho. - Venha comigo e viva mais um dia para ceifar a vida de mais inimigos!
Seguindo a orientação do irmão de seu pai, ele deixou sua terra natal e juntou-se a um grupo de sobreviventes. Enquanto a Aliança Negra ocupava o reino caído, tornando-o sua base de operações, Griel fugiu para o norte, tornando-se um proscrito, como muitos outros de seus irmãos se tornariam nos anos seguintes.
Os proscritos vagaram pelo continente sul por um longo tempo, até finalmente decidirem rumar para o norte, rumo a Arton. A aliança Negra cresceu e se expandiu, dizimando os reinos humanos e tornando-se a única força operante abaixo do Istmo de Hangpharstyth. Sem opção, os remanescentes das nações destruídas deixaram sua terra de origem e foram se instalar na região conhecida como O Reinado. Muitos, entretanto, permaneceram na cidade fortaleza que fazia o papel de fronteira entre os dois hemisférios: Khalifor. Entre os que ainda lutavam na fronteira, estava o grupo de Griel.
Junto com o tio, Griel se refugiou em Khalifor, o último bastião a defender o continente sul e a impedir a travessia das hordas goblinóides para o Reinado ao norte. Apesar de ter sido construída por humanos, Khalifor parecia impenetrável. Confiante de que os inimigos jamais sobrepujariam aquela fortaleza, ainda mais com o reforço de vários elfos, ele passou seus dias dedicando-se à sua vingança.
Mas a tensão na zona de fronteira foi aumentando ano após ano. O reino de Tyrondir, onde ficava Khalifor, buscava ajuda dos reinos vizinhos, mas ninguém, à exceção dos próprios Tyrondianos, acreditava na possibilidade de tal levante militar goblinóide. Além disso, tinham que lidar com seus próprios e terríveis problemas: a Tormenta avançava sobre o Reinado e já tomara uma região habitada em Trebuck.
A moral dos soldados ganhou novo vigor quando um grupo de elfos surgiu como que do nada e pôs para correr as tropas acampadas em cerco à cidade. Um pequeno grupo com poderes fantásticos, que eram capazes de domar dragões, permaneceu poucos dias na cidade-fortaleza, derrotou os acampados da Aliança Negra e avançou em seu território causando grandes baixas às forças de Twor.
Parecia que a guerra finalmente seria vencida. Mas, tão rápido quanto vieram, os heróis desapareceram. Apesar disto, a moral dos homens estava elevada e parecia que poderiam matar o general bugbear com as próprias mãos.
Griel, entretanto, estava cauteloso. Já vira um exército superior e confiante ser derrotado por aquelas bestas fétidas, e sabia que tudo poderia se repetir. E estava correto.
Pouco mais de um ano depois da incursão dos heróis élficos, logo após o mundo estremecer ao som de misteriosas trombetas, as forças da Aliança Negra invadiram a cidade por baixo, escavando um túnel numa máquina maligna chamada de Carruagem de Ragnar e penetrando na cidade como um enxame. Assim, no dia 25 de Cyd de 1400, Khalifor finalmente caiu.
Novamente, Griel fora incumbido de convocar reforços. Percorria os acampamentos acima de Khalifor, chamando os soldados às armas. Quando chegou ao acampamento élfico, Griel desceu ao inferno uma segunda vez.
Chamas engoliam as barracas e devoravam os filhos de Glórienn que ali estavam. Eram chamas estranhas e sinistras, que brilhavam num tom de cor diferente do que seria normal e que não emanavam calor algum. Mesmo assim, seu poder de destruição era avassalador, consumindo tudo o que tocavam. Griel correu em socorro do seu povo, mas era tarde. Dezenas de elfos jaziam sem vida nos campos de Tyrondir. E, para seu maior espanto, os corpos não estavam carbonizados, como era de se esperar, tinham se transformado em pedra. Diante de seus olhos, Griel testemunhou um de seus irmãos ser engolido pelo fogo mágico. Seus gritos de desespero extinguiam-se lentamente junto com as chamas, enquanto seu corpo era convertido em pedra fria e porosa.
Um novo grito, não muito longe dali, chamou sua atenção. Griel correu entre as barracas e encontrou seu tio. E viu o inferno novamente.
Um enorme hobgoblin, emoldurado numa couraça metálica reluzente brandia uma espada. Em seu peito a figura de uma rosa rodeada de cristais de gelo chamava sua atenção. Seu cabelo era preso no topo da cabeça horrenda num rabo de cavalo que descia até o meio das costas largas. Diante dele estava Eruenvinyanto, seu tio, já desarmado. O aço traçou um arco brilhante no ar. A espada foi embainhada rapidamente enquanto o corpo do elfo despencava. Na mão esquerda do hobgoblin a cabeça de Eruenvinyanto balançava sem vida enquanto seu sangue, amarronzado aos olhos de Griel, jorrava farto pelo chão.
Griel urrou encolerado e correu em direção ao seu novo inimigo mortal. As chamas, entretanto, entraram em seu caminho, impedindo sua passagem. Um segundo de hesitação surgiu, o hobgoblin sorriu maliciosamente para Griel e virou-lhe as costas. O elfo disparou uma flecha que cruzou o fogo, e atingiu em cheio as costas do inimigo. A flecha ardia em chamas, tomada pelo fogo sombrio. Griel quase comemorou, esperando que as chamas consumissem e petrificassem o algoz de seu mentor. Equivocou-se. A besta arrancou a flecha de suas costas num puxão indolor. Estava indiferente. Jogou o projétil ao chão como se aquele ferimento nada significasse para ele. Meteu a mão numa bolsa que trazia à cintura e sacou um rolo de pergaminho. Desenrolou-o e pronunciou rapidamente um feitiço. Antes que a segunda flecha de Griel chegasse até ele, o hobgoblin desapareceu magicamente diante de seus olhos.
Os olhos perspicazes do elfo viram, numa fração de segundo, um pequeno pedaço de pele com inscrições caindo da bolsa do inimigo no instante em que ele pegara o pergaminho. Sem hesitar, Griel se lançou à frente, em direção às chamas. Seu arco, herança de seu pai, emitiu um brilho tênue e Griel foi envolto num redemoinho que afastou o fogo maligno, protegendo-o. Griel recolheu o pedaço de pele e viu nele nomes de diversos lugares, vilas ou cidades, e entre eles estava Khalifor. Alguns nomes estavam riscados, enquanto outros não. Griel tinha uma pista a seguir.
Após sepultar seu tio no campo de batalha da forma mais digna possível, Griel deu as costas para Khalifor e partiu. Rumava para o norte, enquanto a fortaleza era devastada pela Aliança Negra atrás dele.
Griel buscou a cidade mais próxima, reuniu recursos e pagou um conjurador para ajudá-lo em sua busca. Teleportado para o Reinado, Griel percorria o reino de Tollon, em direção à sua capital, Vallahim.
O anoitecer obrigou-o a interromper sua marcha e buscar abrigo. Griel deixou a estrada e adentrou a mata. Sentiu-se bem naquele lugar coberto de árvores negras como a noite e por um breve instante pode relaxar. Então a melodia suave da flauta de Mavastus preencheu seus ouvidos.
_ E agora estou aqui, rumo a essa cidade de Vallahim, para tentar impedir que esse hobgoblin repita lá o que fez em Khalifor. E para cravar uma flecha entre seus olhos amarelos – disse Griel ao concluir sua história. Omitira os eventos em Lenórienn e a deficiência de seus olhos.
_ Então Khalifor caiu? – perguntou Mavastus.
_ Sim! O Eixo do Mal já atravessou a fronteira a esta altura.
_ É... E a tal Aliança Negra realmente existe, então – concluiu o patrulheiro. – Teremos muitos problemas se eles não forem detidos logo.
_ Sim – concordou Griel. – Agora, se me dão licença, devo partir. Pois tenho que chegar a Vallahim antes que a tragédia se abata por lá também.
_ Não adianta! – era Cieri. – Eu acabei de vir de lá. A cidade foi atacada. O orfanato em que eu cresci foi incendiado da mesma forma que vocês dois disseram. – completou, apontando para Theon e Griel.
_ Obviamente, meus caros, – começou Mavastus – há um padrão nestes ataques. Não são simples ataques de goblinóides. Algo grande está sendo tramado. Vocês todos têm informações importantes que devem ser compartilhadas para evitar ainda mais mortes. Então, Cieri, conte-nos o que aconteceu na capital.
A meio-demônia narrou ao grupo o que acontecera no orfanato sem, óbvio, mencionar Ônix.
_ Espere! – protestou Toph ao final do relato. – Você disse que fugiu? Mas como assim? Você viu as pessoas morrendo e não fez nada? Simplesmente fugiu?
Cieri não quis dar mais detalhes para não denunciar seu alter-ego, aumentando ainda mais a desconfiança de Toph. As duas iniciaram uma discussão acalorada e trocaram ofensas. Foi Griel quem apartou a briga.
_ Olhe, garota! Pare com essas especulações inúteis. Você não pode julgá-la assim desta forma. Eu também não pude fazer nada para salvar meu tio. Além do mais, você não pode acusá-la de nada aqui, pois nós nem sabemos ainda qualquer coisa sobre você. O mais importante agora é o estado da cidade, e não se ela fugiu ou não de lá. Humana – Griel ignorava o fato de Cieri ser uma mestiça. – Você disse que veio de lá agora. Então a cidade deve estar bem próxima, certo?
_ Não, na verdade está bem longe daqui – respondeu ela. - Eu cheguei bem rápido porque vim a cavalo.
_ E onde está esse cavalo? – perguntou Toph.
_ Está aqui perto. Kurama! – gritou a moça. O cavalo negro entrou na clareira e Cieri alterou magicamente a cor de suas chamas para parecerem fogo normal. Todos ficaram espantados e começaram a indagar sobre o animal. Ela se limitou a dizer que o encontrara, ainda filhote, na floresta e cuidara dele desde então. A desconfiança de Toph só aumentava.
_ Bem, você disse que tinha um pergaminho com os nomes de algumas cidades, e que Vallahim estava nele. Posso vê-lo? – pediu Cieri.
Griel exibiu o pergaminho ao grupo e nele podia se ver os nomes das cidades de Theon, Griel e Cieri, além de outras. Os nomes e seus reinos eram: Sambúrdia – Capital, Kazordoon – Bielefeld, Khalifor – Tyrondir, Cavalo Branco – Deheon, Thartann – Ahlen, Sordh – Lomatubar, Vallahim – Tollon, Rhond – Zakharov. Os dois primeiros nomes, bem como o quarto e o sexto estavam riscados. Sobre o segundo nome havia uma notação em vermelho: Thug. E sobre a quarta e a quinta cidade havia outra anotação: Grosh.
Cieri leu os nomes, um por um. O grupo foi reconhecendo os nomes.
_ Kazordoon é minha cidade – disse Toph.
_ Cavalo Branco é a minha – era Lisbeth.
_ Eu passei por Thartan – falou Celerin.
_ E minha mãe foi raptada nessa cidade de Lomatubar – completou Mhurren.
_ Como eu disse, não são ataques isolados. Algo acontece. Contem tudo o que sabem – pediu Mavastus. Lisbeth deu um passo à frente e começou sua história.




março 03, 2015

Capítulo 4 – Ataque!

_ Meu nome é Mhurren – disse o mestiço numa voz gutural. Seus caninos se projetavam para fora da boca, tornando-o assustador. Trajava apenas uma calça reforçada de couro e um cinto que cruzava seu peito e ia até costas trazia uma espécie de bainha onde um enorme machado estava pendurado. – Não estou querendo encrenca. Só vim ver o que era a música e o cheiro.
_ Ora, mas isso é muito incomum. Quem são vocês afinal? – perguntou Mavastus. – Não podem estar apenas passando por aqui e terem parado por causa da minha música.
_ Bem, eu realmente estava apenas passando por aqui quando ouvi sua música – respondeu Celerin.
_ Eu estou em busca de minha mãe – disse o meio-orc. – Ela foi raptada.
_ E eu estou em uma missão sagrada para o grande Khalmyr – disse Theon, com imponência. – Vim a este reino para evitar uma desgraça!
_ Eu também estou tentando evitar uma tragédia – disse Griel. – Estou indo até a cidade de Vallahin. Algo terrível irá acontecer lá.. Sabe me dizer se estou longe desta cidade?
_ Vallahim? É para lá que estou indo também – retrucou o clérigo. De que desgraça você fala? Tem a ver com o fogo azul?
_ Talvez – respondeu Griel, estoico. – O que você sabe a respeito?
Antes que Theon pudesse responder, Lisbeth se adiantou.
_ Fogo azul? Eu vi algo assim em minha cidade.
_ Eu também – disse Mhurren.
_ E eu – era Celerin.
De fora da clareira, Cieri observava, espantada. Parecia que aquelas pessoas tinham visto algo parecido com o horror que ela testemunhara. Talvez tivessem alguma informação que lhe fosse útil, com a qual pudesse inocentar seu alter-ego do que ocorrera em Vallahin. Enquanto pensava, viu uma flecha ser apontada em sua direção.
_ Interessante! – murmurou Mavastus. – Parece, enfim, que descobrimos o que vocês possuem em comum. Bem, se realmente vieram em paz, como disseram, sentem-se e dividam a fogueira comigo. Temos bastante comida para compartilhar. E contem mais sobre esta história de tragédia. Será um prazer ter alguém para conversar. – Apontou o arco uma última vez para a mata e disparou uma nova flecha. – E você ai atrás desta árvore, sinta-se à vontade para se juntar a nós quando desejar. – E dizendo isto, foi se sentar junto dos outros.
_ Eu também trouxe comida comigo. E um amigo. Vou buscá-los – disse a garotinha. Levantou-se e correu para fora da clareira. Pouco depois retornou com um pacote e um anão. Toph abriu o embrulho e revelou uma vasilha repleta de comida cheirosa que ofereceu aos demais. Ao seu lado, Griel oferecia um pedaço de pão a Celerin. Não era um pão comum, mas sim um preparo especial que somente os elfos sabiam como fazer, o pão de viagem élfico. Celerin olhou nos olhos azuis de Griel e o reconheceu como um igual. Ambos eram elfos. O anão se apresentou rapidamente. Era Hordof, um vendedor de armas que dera carona para a menina Toph até o reino de Tollon onde, esperava, faria bons negócios com suas armas e tentaria conseguir algumas das famosas armas mágicas de madeira que o reino produzia.
_ Muito bem – começou Mavastus, - Que histórias interessantes vocês têm para contar. Afinal, não é todo dia que um grupo de pessoas tão difuso se reúne – a vasilha de Toph ia passando de mão enquanto ele falava. – Alguma coisa interessante deve haver por trás deste encontro tão incomum.
A vasilha chegou às mãos de Mhurren, que se serviu de uma porção de carne e a passou adiante para Lisbeth. A mulher olhou para o recipiente e para o mestiço, hesitando em pegar a comida. De fora da clareira, Cieri observava, atenta. Seus olhos viam uma aura de cor amarela brilhando ao redor do pote de comida. Era mágico.
_ Ora, não seja rude, senhorita – disse Mavastus. – Ele não tem culpa de ser o que é. Não é mesmo? – prosseguiu, apontando para Mhurren. – Deixe-me adivinhar. Estupro?
Mhurren apenas assentiu com a cabeça.
_ Como pensei. É por isso que eu caço esses bastardos, para proteger pessoas como a sua mãe, de serem violentadas por orcs sujos.
Ainda um pouco hesitante, Lisbeth pegou um pedaço de carne e passou a vasilha adiante. Odiava orcs. Eram o motivo de ser o que era. Eram o motivo de sua tristeza e de seu desejo de vingança.
_ Bem, já que todos estão tímidos, eu começo, então – disse Mavastus, se levantando. Virou-se para trás e disparou nova flecha. – Meu último convite senhorita. Não quer se juntar a nós? O fogo está quentinho. ­ – depois, virando-se para os demais, continuou. ­ – Bom, como já disse, me chamo Mavastus. Sou um patrulheiro e faço parte dos Druidas de Allihanna, um grupo que protege as matas do reino e as pessoas de monstros e outros perigos. Estou a caminho da cidade de Follen, para conversar com os druidas anciões. Eu também estou em uma tentativa de evitar uma tragédia, ou ao menos entender o que está acontecendo. Se olharem para o céu neste ponto, – apontou para o alto, para uma região sem estrelas – verão que a constelação de Urso Coruja desapareceu. Ela simplesmente não está mais lá. Algo está muito errado. Percebo isto também nas reações dos animais. Então estou indo até os druidas em busca de respostas. E vocês? – perguntou, por fim. Um som atrás dele chamou-lhe a atenção. Virou-se e viu uma bela jovem, vestindo roupas negras de couro e um capuz também negro, saindo da mata. – Finalmente! Sente-se e apresente-se, senhorita!
_ Eu me chamo Cieri – respondeu, timidamente. Cieri ocupou um lugar ao lado de Griel e serviu-se de um espeto de cogumelos. Mavastus voltou a sentar, jogando um pedaço de carne para Golias. Depois olhou para o estranho grupo à sua frente, como se esperasse algo. Notando isso, Theon se levantou e disse:

_ Bem, como já disse, meu nome é Theon Leejer e sou um clérigo do grande Khalmyr, o Deus da Justiça! Eu tenho viajado desde a Sambúrdia até aqui, pois uma tragédia aconteceu no templo onde eu vivia... – Theon contou a todos o que ocorrera no templo quando retornara com Marcus, meses antes. Quando terminou sua narrativa e sentou, o silêncio voltou a imperar entre aquelas pessoas ali reunidas. Silêncio que logo foi quebrado pelo rugido de uma fera. Do meio da mata saltou um imenso humanoide de corpo esverdeado e gosmento. Seus cabelos lembravam folhas sujas e compridas, suas mãos eram enormes e desproporcionais em relação ao corpo e terminavam em longas garras. Era um troll.
Rapidamente, Mavastus se levantou, sacando seu arco, pronto para disparar. Mas se deteve ao ver que os outros se lançavam contra o monstro de armas em punho.
Os primeiros a atacar foram Lisbeth e Mhurren. Armados com espada de machado, lutavam lado a lado em sincronia, arrancando grandes pedaços da carne fétida da criatura. Atrás deles Griel disparava flechas de seu arco rapidamente, cravando uma após a outra no peito do inimigo. Um pouco mais atrás Theon erguia as mãos numa prece, abençoando os corpos dos três atacantes, protegendo-os com sua magia e curando seus corpos à medida em que o troll os feria com suas garras.
Lisbeth conseguiu estilhaçar um dos joelhos do inimigo com sua espada e, ao seu lado, o machado de Mhurren atingiu o ventre da fera, rasgando-o e explodindo magicamente em chamas no impacto. Ao lado de Griel, Mavastus começou a atacar com seu arco em velocidade espantosa.
Mas o monstro não se entregaria tão facilmente, pois seus ferimentos começaram a se fechar velozmente. Apenas o lugar onde Mhurren o acertara permanecia machucado.
_ Fogo! Usem fogo! – gritou Toph. A menina moveu os braços num círculo, gesticulando com os dedos e murmurando estranhas palavras. Apontou para a fogueira e ela explodiu como um vulcão, lançando suas chamas no troll. O monstro gritou de dor e revidou com suas garras, rasgando o peito da menina, a barriga de Lisbeth e o braço de Theon.
Celerin apanhou uma flauta em sua mochila e começou a tocá-la. As notas formavam uma melodia hipnotizante. Ao mesmo tempo, Cieri fazia uso de seu treinamento com Enola, evocando seus poderes e disparando uma rajada de líquido venenoso de suas mãos nos olhos do inimigo. O troll se contorceu, levou as mãos aos ouvidos, como se algo os ferisse. Depois, como que apavorado, saltou por sobre o fogo mortal da fogueira e foi em direção de onde Griel estava. Antes que pudesse chegar ao arqueiro, Theon, Mhurren e Lisbeth atacaram-no simultaneamente. O monstro tombou no solo aos pedaços. Sem perder tempo, Mavastus e Toph começaram a juntar os pedaços da criatura a atirá-los na fogueira, para que não pudessem se regenerar. Cieri fazia chamas brotarem magicamente em suas mãos e com elas ajudou o homem e a menina a queimarem o que restava do inimigo. Mavastus e Griel recolheram as flechas que ainda estavam em boas condições. O homem voltou para o lugar onde estava sentado e disse:
_ Vocês lutam bem! Fazia muito tempo que eu não combatia em grupo. A última vez, se não me engano, foi há uns dois ou três anos, quando um bando de elfos passou por aqui indo para o sul. Bem, não há nada melhor para quebrar a tensão e unir pessoas do que um bom combate. Vamos lá, vamos terminar nossa refeição e nossa conversa – virou-se para Griel enquanto este retornava para junto do grupo. – Tem um belo arco, mestre elfo. Então, vai nos contar sua história?

No alvoroço o capuz de Griel caíra, deixando seus longos cabelos louros e suas orelhas pontudas à mostra. Sem ter mais porque esconder sua identidade, ele começou seu relato.

Capítulo 3 – Devoto

Theon Leejer, clérigo de Khalmyr, o Deus da Justiça, saboreava os cogumelos assados com avidez. Temperava-os apenas com sal, o único condimento disponível no improvisado acampamento do homem chamado Mavastus, que continuava em pé, de prontidão, apontando seu arco para a floresta. O sabor não era desagradável, pensou Theon, mas nem de longe lembrava a saborosa comida de sua mãe ou as refeições no templo. Enquanto mastigava os fungos salgados, ia se lembrando, com saudade, da comida de sua terra.
Theon não era um homem acostumado à vida na estrada, nem às privações que ela impunha aos que nela se arriscavam. Filho de ricos fazendeiros, era originário do reino de Sambúrdia, um local repleto de densas florestas e fartas plantações, que lhe renderam o apelido de Celeiro de Arton. Seus pais eram donos de uma vasta extensão de campos cultivados próximos à capital do reino. Foi na cidade homônima ao reino que o jovem realizou seus estudos e descobriu sua vocação. Desde muito cedo Theon foi enviado ao Grande Templo da Justiça para estudar. Calmo e centrado, religioso e possuidor de uma fé inabalável, Theon logo foi reconhecido como apto ao serviço de Khalmyr. Ele, é claro, aceitou o convite para ingressar na ordem sem hesitar. Considerando-se uma arma enviada pelo próprio Deus, Theon se dedicou aos estudos com afinco. Frequentou os Centros de Treinamento e Estratégia, o quartel do exército local, destacando-se na arte militar. Logo tornou-se o aluno favorito dos superiores, despertando inveja por parte dos demais noviços (algo que não deveria acontecer entre servos da Justiça). Dentre esses estava aquele que por anos foi seu melhor amigo, Larsaa Tpish, sobrinho distante do famoso mago Vladslav Tpish. Durante anos os dois conviveram como irmãos e rivais. Estudavam juntos, treinavam cavalaria e combate juntos, cuidavam de suas obrigações clericais juntos. Larsaa tentava sempre superar Theon em tudo que fizessem e vice-versa. Porém, enquanto Theon encarava tudo como uma brincadeira e um incentivo para os dois evoluírem juntos, e enquanto ele se alegrava a cada sucesso de seu amigo, o mesmo não ocorria com Larsaa. Cada derrota para Theon era tomada como uma ofensa, fazendo com que ele se sentisse humilhado. Larsaa não deixava nunca isso transparecer, até o dia em que sua derrota foi total. Após concluírem todo o treinamento do sacerdócio, Theon foi escolhido como cavaleiro, título que Larsaa almejava mais que tudo. Ele havia treinado arduamente para conseguir tal graça, passava noites em claro estudando, treinava até a exaustão na academia militar, praticava rituais, cânticos e tudo mais que fosse relevante para um cavaleiro sagrado. No entanto, seu rival fora escolhido para o cargo. Larsaa sabia que já havia superado Theon em tudo, graças ao seu esforço intenso, no entanto não fora agraciado com o título. Irritado, foi tirar satisfações com o sumo-sacerdote do templo e a resposta o deixou ainda mais enfurecido:
_ É evidente que você é mais capacitado na equitação, na esgrima e na estratégia. E seus conhecimentos, tanto religiosos quanto nas outras matérias, suplanta de longe o de Theon. Mas nós o escolhemos por ser ele o que possui o coração mais puro de todos. Enquanto você treinava apenas para conseguir o título, ou seja, em busca de poder e glória própria, Theon apenas almejava servir Khalmyr – explicou o clérigo. – Além do mais, um dos anciões teve uma visão sobre aquele garoto. O título é dele por direito.
Larsaa encheu-se de ódio. Ao invés de enxergar o próprio erro e se corrigir, o rapaz afastou-se de vez da luz. Juntou suas coisas e, interrompendo a festa de comemoração da promoção de Theon, ele o desafiou no meio de todos. Jurou vingança e disse que se Khalmyr não reconhecia sua capacidade, iria se aliar a outro deus. Assim ele jurou lealdade a Tenebra, Deusa da Trevas, diante de todos os clérigos do templo, e partiu. Iria percorrer o mundo em busca de poder para cumprir seu juramento.
Theon tinha apenas 16 anos nesta época e aquilo fora um choque para ele. Perdera seu melhor amigo de uma forma talvez mais trágica que a morte.  Ele foi sagrado cavaleiro e uma cerimônia foi realizada, numa tentativa de apagar o trágico episódio das mentes de todos. Recebeu uma espada mágica como prêmio de consagração, uma arma que condizia com a personalidade do garoto. Apesar de exímio na arte do combate, Theon sempre tinha uma postura pacífica, evitando ao máximo qualquer combate. De forma semelhante, sua arma podia rasgar a carne de quem se colocasse em seu caminho, mas também possuía o poder de curar os ferimentos de quem necessitasse.
Quatro anos se passaram e Theon, já um clérigo formado, começou a sair em missões para sua igreja. Ele apreciava essas saídas do templo, eram ótimas para ele pregar a palavra de seu Deus e ajudá-lo a fazer a justiça no mundo. Também eram boas oportunidades para tentar encontrar alguma pista do paradeiro de seu antigo amigo. A rotina era boa, com algumas viagens não demoradas e com dias agradáveis passados no templo. Mas, como dizem, todas as coisas acabam. E foi numa noite sem lua que os dias de conforto e paz de Theon terminaram. Era o vigésimo nono dia de Altossol, o verão do ano de 1400 mal iniciara. Retornava de uma missão, na qual ele e Marcus, um homem já grisalho que clericava há mais de 30 anos, tinham conseguido exorcizar uma garota possuída por um demônio. Marcus usara uma magia para banir o ser infernal e selar o corpo da menina, impedindo que a criatura tentasse possuí-la novamente. Theon ainda sorria, satisfeito com o dever cumprido, quando avistou o corre-corre nas ruas da capital. Prestativos como todos os servos do Deus da Justiça são, Theon e Marcus ofereceram ajuda e perguntaram o que acontecia. Foi quando descobriram, para sua surpresa, que o Templo da Justiça estava em chamas.
Os dois sacerdotes correram para auxiliar na contenção do incêndio. As labaredas já tinham engolido grande parte do complexo e os gritos de desespero podiam ser ouvidos a quilômetros.
Os dois invadiram o templo, buscando os sobreviventes, e rumaram em direção aos fundos do complexo. Passavam pelos corredores, vendo o fogo devorar cada móvel, mas não se detinham ali, havia vidas a salvar, algo muito mais importante que a mobília. Chegaram à nave do templo e lá avistaram Gurney, o alto sacerdote, sendo subjugado por um poderoso inimigo. Era um enorme hobgoblin, emoldurado numa couraça metálica reluzente brandindo uma espada. Em seu peito a figura de uma rosa vermelha rodeada de cristais de gelo chamava sua atenção. Seu cabelo era preso no topo da cabeça horrenda num rabo de cavalo que descia até o meio das costas largas. As labaredas tomavam conta de quase todo o salão, bloqueando o caminho dos dois até o combate. Gurney estava de joelhos no chão, exausto e cheio de ferimentos. O fogo o envolvia, mas, estranhamente, parecia não feri-lo. As chamas eram azuladas e não emitiam calor.
Sem hesitar, Marcus saltou à frente, transpondo as chamas de espada em punho em socorro do reverendo. Porém, ao ser tocado pelo fogo, Marcus desabou no solo, contorcendo-se em desespero. Aquele fogo maligno o envolvia e avançava por seu corpo velozmente. Marcus tentava em vão extinguir as chamas, até que seu corpo ficou imóvel e sem vida. Transformara-se numa estátua de pedra cinzenta, fria e porosa, para horror de Theon.
Metros à frente, o hobgoblin terminara de cravar sua lâmina no peito de Gurney. O clérigo tombou para trás, desfalecendo. Antes de tocar o solo, foi apanhado pelo monstro num agarrão ligeiro. Theon fez menção de saltar pelas labaredas sombrias, quando o hobgoblin o deteve:
_ Se quiser virar pedra também, pode vir rapazinho! – provocou o monstro com sua voz rouca.
Theon deteve-se, seu olhar voltou-se na direção de Gurney que abria os olhos num último suspiro.
_ Sua alma foi sugada – disse com dificuldade, apontando para Marcus. – precisa libertá-laaaa...- completou gorgolejando. Gurney, num último esforço, conseguiu sacar uma adaga no cinto do inimigo, cravando-a na coxa direita do monstro. O sangue pútrido jorrou no chão sagrado e a besta urrou enfurecida, enterrando a espada no rosto do clérigo. Sem dizer uma palavra, o monstro arrancou o punhal da perna e o jogou no chão. Apanhou um pergaminho em uma bolsa presa ao cinto, desenrolou-o e conjurou o feitiço que nele havia. E desapareceu diante dos olhos de Theon, levando o corpo do reverendo consigo.
Ainda em choque, Theon deixou o lugar e partiu em busca de outros sobreviventes. Ninguém havia sobrado. Todos os sacerdotes e serviçais que estavam presentes no incêndio tinham se transformado em estátuas de pedra ao serem atingidos pelo fogo sombrio.
Ele estava inconformado. Precisava fazer alguma coisa, precisava punir o monstro que fizera aquilo, precisava salvar as almas dos que tinham virado pedra, precisava fazer a justiça de Khalmyr prevalecer. Mas não tinha sequer uma pista, nada para começar sua busca. Então ele se lembrou. A adaga.
Theon correu para a nave da igreja assim que as chamas se extinguiram e pegou a arma da criatura que matara seu mentor, todos os seus amigos e, ironicamente, salvara sua vida. O punhal ensanguentado serviria. Theon só precisaria conseguir ajuda de um clérigo mais experiente para realizar seu plano.
Assim ele partiu, sem sequer se despedir de seus pais. Tinha urgência em cumprir sua missão. Cavalgou ligeiro até Nova Ghondriann e foi até o grande templo de Khalmyr próximo à capital, Yukadar. Lá um sacerdote altamente graduado usou a adaga e o sangue do hobgoblin e orou ao Deus da Justiça por um augúrio. E sete nomes foram revelados: Kazordoon, Khalifor, Cavalo Branco, Thartann, Sordh, Vallahim, Rhond. 
Theon pesquisou na biblioteca do templo onde ficava cada uma daquelas cidades. Traçou uma rota e partiu em viagem. Iria por Zakharov, depois para Deheon, Ahlen, Tollon, Lomatubar, Tyrondir e finalmente Bielefeld, terminando sua jornada na cidade de Karzodoon. Faria as duas últimas viagens de navio, para ganhar tempo e esperava encontrar seu inimigo em algum destes lugares.
Em suas três primeiras paradas, Theon não encontrou nada que o levasse até seu alvo. Ou ele não estivera ali, ou seus planos tinham se alterado ao longo dos meses, ou a visão do sacerdote tinha sido equivocada, algo em que ele não acreditara.
Theon se aproximava de sua quarta parada, a capital de Tollon, Vallahin. Era a noite de dezenove de Luvitas e a lua novamente estava em treva. Parara à beira da estrada para pernoitar, quando ouviu do outro lado da estrada o som da música do tal Mavastus e agora desfrutava de sua comida. Os meses na estrada, as privações que passara, fazia com que os cogumelos parecessem mais deliciosos, mas as lembranças do tempo de paz que tivera antes de tudo aquilo também os tornava mais amargos. Já tinha preparado diversos espetos e os dividia com a garota cega. Mavastus disparara mais três flechas na escuridão. Após um instante, um homem surgiu do breu à frente de Mavastus. Era esguio e movia-se em completo silêncio. Vestia um manto verde que o camuflava na mata escura, um capuz ocultava seu rosto. Fez uma saudação e se apresentou.
_ Sou Griel, filho de Thrundil! – disse numa reverência -  Venho em paz. Apenas fui atraído pelo som da música e vim averiguar o que acontecia.
_ Comigo aconteceu o mesmo! – disse outra voz. Um outro homem encapuzado. Movia-se como o anterior, entrando na clareira por uma direção oposta ao outro. Trajava um manto todo azul e por seu capuz escorriam algumas mechas de cabelo prateado, a mesma cor de seus olhos. Os dois recém chegados ficaram se encarando por um longo momento, quando o último se apresentou. – Meu nome é Celerin, muito prazer – disse. Sua voz era bela e afinada, como a de um cantor. – Bela música você entoava. Toca muito bem.
Do ponto para onde a terceira flecha foi, surgiu uma mulher. Era alta e bela, cabelos longos e castanhos escuros, como seus olhos, emolduravam um rosto fino. Trajava uma armadura, muito parecida com a de Theon, mas em seu peito, no lugar da balança de forma de espada, símbolo do Deus da Justiça, trazia a imagem de uma dama de joelhos, voltada para o céu numa súplica. Era uma serva de Valkaria, a Deusa da Humanidade, da ambição e dos aventureiros.
_ Meu nome é Lisbeth – disse a mulher. – Eu fui também atraída pela música e pelo cheiro de comida. Estou com muita fome!

_ Mas que diabos! – ralhou Mavastus. – Ou eu estou dando uma festa e não fui avisado disso, ou há algo mais nisso tudo. Tantas pessoas juntas assim no mesmo lugar não é algo normal. Afinal, o que vocês estão fazendo por aqui. E vocês dois ai na mata, sei que estão ai. Por que não se juntam a nós? – Mavastus deu um assovio e o gigantesco tigre saiu de uma moita próxima e foi até ele. – Golias! Convide-os! – o animal correu para a floresta e desapareceu. Pouco tempo depois ouviram seu rosnado e da mata surgiu mais uma pessoa, acuada pelo grande felino. Era grande e musculoso, um verdadeiro brutamontes. Quando se aproximou da fogueira todos puderam ver seu rosto. Era um meio-orc.

fevereiro 27, 2015

Capítulo 2 – Toph Magaira

_ Quem é você menina? O que faz aqui? Por que me espionava? – inquiriu o homem com seriedade. Sua mão desceu suavemente até o arco longo que estava ao seu lado enquanto se levantava. Puxou uma flecha da aljava, carregou o arco. – Vamos, responda menina! – ordenou. Apontou o arco para a floresta. – E vocês também! Saiam e apresentem-se!
_ Eu me chamo Magaira – respondeu a menina, espantada com a agressividade do homem. ­– Eu vim por causa do cheiro. Que fome! O que você está assando?
_ Ora, se é fome o que você tem, então aproxime-se e sirva-se. São cogumelos, tenho muitos deles. Quer que eu a ajude? – o homem mantinha os olhos fixos na mata enquanto falava.
_ Ajuda? Pra quê? – perguntou a garota.
_ Ajuda para chegar até a fogueira, para não tropeçar. Há pedras e galhos por todo o lado – respondeu, deixando claro que notara a deficiência de Magaira.
A menina ficou irritada, mas não disse qualquer coisa sobre o assunto. Recusou a ajuda de forma rude e sentou-se próxima ao fogo. Apanhou com destreza um espeto de cogumelos e o saboreou, evidenciando que não precisava de auxílio. Aquilo a irritava. Por todo lugar onde ia as pessoas tinham reação semelhante, consideravam-na incapaz pelo fato de seus olhos não enxergarem. Seus olhos de fato não viam nada além de uma escuridão infinita, mas ela enxergava, e muito bem. Enquanto mordiscava o fungo com apetite voraz, sua mente trabalhava, trazendo à tona diversas lembranças.
Seu nome era Toph Magaira. Era de Bielefeld, de uma província próxima ao Bosque de Fiz Grim, chamada Kazordoon. Sua família tinha grandes posses, vinha de uma linhagem de combatentes que se auto denominavam “Punhos de Aço”, pelo fato de treinarem técnicas de combate sem armas. Não conheceu sua mão, morta durante o seu parto, e seu pai, Durin Magaira, governava o feudo com disciplina invejável. Era um homem de grande influência, tanto dentro quanto fora de sua cidade, entretanto não era um bom pai.
O viúvo culpava a filha pela morte de sua amada esposa, Elise e por esse motivo amaldiçoou a menina logo que nasceu. Enlouquecido pela perda, embalsamou o corpo da falecida e durante os quatro primeiros anos de vida da sua herdeira, fazia questão de levá-la todos os dias até o ataúde para ver o que causara à mãe. Parecia ter prazer em fazer torturar a filha, acusando-a de ser a causa do falecimento de Elise. Os empregados nada faziam, com medo das possíveis punições, já que Durin era extremamente severo e sua saúde mental já não era mais a mesma.
Mas, tanta crueldade não poderia passar impune. Certa vez uma das empregadas não se conteve e acabou por discutir com o patrão na frente de todos:
_ O senhor roga tanta praga nessa menina, obrigando-a a ver o corpo da mãe, que um dia, ela há de perder a visão de tanto desgosto e culpa!
Enfurecido, Durin mandou executar a mulher diante dos demais serviçais, para que servisse de exemplo a todos. Mas, como castigo por seus atos, ou talvez as palavras da mulher simplesmente estivessem certas, Toph foi perdendo a visão pouco a pouco, até que próxima de completar seu quinto ano de existência ela ficou completamente cega. Foi só então que Durin passou a se importar com a filha, mas não da maneira que ela necessitava. Colocou os criados para cuidarem da garota vinte e quatro horas por dia. Toph tinha quase um batalhão de serviçais para ajudarem-na a fazer tudo, desde as mais simples tarefas às mais complicadas. Mas seu pai quase não a via, passava a maior parte do tempo cuidando da administração da cidade – não tinha tempo para cuidar de uma menina cega, para ele já bastava a perda que tivera, aquilo era praticamente um insulto dos deuses.
Assim o tempo foi passando e Toph foi crescendo, criada pelas empregadas. E ao contrário do que seu pai supunha, não era uma incapaz ou um fardo. Ela era uma garota inteligente, que aprendia com facilidade mesmo as coisas mais complexas. E foi assim que ela começou a desenvolver suas habilidades.
A cidade de Kazordoon, vez ou outra, organizava torneios de combate corporal entre os populares para o deleite de seu suserano e a nobreza de cidades próximas.
Esses combates consistiam em dois lutadores, e o vencedor levava para casa um saco com uma quantia generosa de dinheiro e um cinturão de melhor lutador além, é claro, da fama entre a população. Toph, ainda pequena e com sua visão já extremamente limitada, chegou ver alguns desses combates e ficou fascinada com a maestria que os combatentes aplicavam seus golpes e com a movimentação. Era uma verdadeira dança acrobática. A jovem quis aprender mas seu pai, arrogante como sempre e ainda mais por ela ser uma mulher, prontamente a impediu de tentar praticar qualquer tipo de arte marcial, principalmente depois que ela perdeu a visão. “Como seria possível uma cega tentar entrar em combate com alguém?” disse Durin certa vez. Toph não suportava o fato de ser uma “impotente“ por causa de sua deficiência e tomou uma decisão que mudou sua vida. Jamais se daria por vencida. Ela ensaiava escondida os passos que havia visto quando ainda era bem pequena, ainda que fossem poucos, mas se esforçava como uma profissional.
Um dia, a faxineira da família entrou no quarto de Toph e a viu fazendo os movimentos e, reconhecendo o empenho da garota, resolveu ajudar, ainda que aquilo pudesse lhe custar a vida. A jovem treinava todos os dias com afinco e durante 5 anos essa rotina se repetiu.
Um dia, entretanto, sua vida sofreu uma reviravolta inesperada. Seu pai a levou em uma viagem até a capital, para que conhecesse o futuro esposo, a quem havia sido prometida por conveniência entre as famílias nobres. Durante a viagem, porém, a caravana sofreu um grave acidente. A carruagem em que Toph estava despencou em um penhasco, mas ela sobreviveu milagrosamente. No entanto não ouvia vozes procurando por ela. Supôs que tinham-na abandonado, afinal era impossível para alguém sobreviver àquela queda, especialmente uma menina cega. Caminhou durante horas a esmo, tentando aos poucos compreender o lugar onde estava apenas com sua audição e olfato. Já exausta se deu conta que já era noite, pois as criaturas noturnas já se faziam presentes. Recostou-se em algo que imaginava ser uma árvore e ali adormeceu. Acordou ouvindo passos e, obviamente, se assustou. Perguntou se era o pai que estava ali e não obteve resposta. Ainda assustada, a garota tentou levantar-se e correr, mas percebeu que era impossível fugir, pois havia uma espécie de círculo de rochas cercando-a. Era algo que não estava ali antes e que surgira do nada como num passe de mágica. Então, alguém se pronunciou:
_ Muito bem, garota – uma voz doce e lírica ecoou por aquela imensidão escura na qual a jovem se encontrava. – Fique calma, pequenina, não desejo lhe fazer qualquer mal. Venha, vou abrir o caminho para você vir até aqui e me dizer o que faz neste lugar.
Toph sentia uma estranha sensação de conforto ao ouvir aquela voz. Sentiu o chão ao redor estremecer e notou que a muralha de rocha que a cercava havia desaparecido. Sentindo-se segura, contou à voz o que lhe acontecera. A voz perguntou sobre seus olhos e Toph lhe contou sua triste história.
Comovida, a voz que por fim revelou chamar-se Inana, prometeu ajudá-la de alguma forma. Contou que seu papel ali era proteger todos que tentassem profanar a floresta próxima dali e tudo que nela habitava. Disse também que tinha vindo de um lugar muito distante, a pedido da própria Deusa da Magia. Revelou também que, a Deusa havia lhe do privado o direito de ver, enquanto estivesse naquele mundo, já que Inana tinha um coração completamente puro e para poupá-la dos horrores que poderiam parti-lo em pedaços. Assim, ambas possuíam algo em comum. Mas, ao contrário da garotinha, Inana conseguia sentir tudo o que estava em sua volta apenas com o toque de seus pés no chão. Era possível sentir o simples caminhar de uma formiga em uma distância de 20 metros dela. Além disso, ela possuía o poder de manipular a energia que a Deusa deixara no mundo, usando-a a seu favor dela para moldar a terra, as rochas e proteger a si mesma e o lugar que guardava. Assim, Toph encontrou uma mestra e começou um árduo treinamento. Sentia algo maternal em Inana, algo que não sentia com os criados que a educavam e nem mesmo com seu próprio pai.
Mas um dia toda a harmonia da qual desfrutava naquele lugar teve que acabar. Sentiu que as criaturas estavam muito agitadas e logo descobriu o motivo: seu pai, depois de longos dois anos, finalmente fora atrás do seu paradeiro. Um enorme grupo de busca ia avançando e devastando a floresta que ela agora chamava de casa. Destruíram toda a beleza do lugar e mataram criaturas inocentes e dóceis apenas para encontrar a menina perdida. Inana não suportou tudo aquilo e enlouqueceu, tentando a todo custo proteger aquele lugar com sua vida e força, mas acabou sendo capturada. Toph tentou libertar sua mentora e protetora em vão. Foi levada de volta até a província de Kazordoon e lá a Inana foi executada.
Toph sentiu no coração a mesma dor de um filho perdendo sua mãe e, tinha certeza, que o que fora feito com aquela criatura, fora algo desumano. Mesmo ser enxergar, sabia que a morte dela fora horrível, já que agora conseguia sentir o mundo a sua volta e todas suas vibrações. Toph ficou desolada e passou 1 ano trancafiada em seus aposentos, apenas saindo para fazer suas necessidades.
A garota sempre lembrava de Inana e as lembranças eram ainda mais fortes quando a chuva caia, já que ela tinha medo de trovões e Inana sempre a confortava em seus braços a cada tempestade. Prometeu a si mesma que iria reencontrar Inana em outro mundo ou até mesmo revivê-la com magia. Então, quando suas lágrimas haviam secado, Toph juntou alguns pertences e partiu. Iria conhecer o mundo e aprimorar o que aprendera com Inana. Também desenvolveria as técnicas de combate que conhecera e nunca mais permitiria que uma injustiça como a cometida com Inana se repetisse. E jamais deixaria que a destratassem por causa de sua cegueira, seria tão forte quanto ou até mais forte que qualquer pessoa “normal”.
Toph não tinha sequer quinze anos quando deixou seu “lar”. Levava em seu rosto um sorriso, em seus olhos as lágrimas e em seu coração o desejo de acabar com as crueldades de seu pai, rever Inana e construir um novo lugar para que as duas pudessem viver juntas e ensinar a outras pessoas tudo o que tinha aprendido sobre a vida nestes poucos anos de existência.
Assim o tempo passou e a menina cresceu e se desenvolveu ainda mais.  Certa vez, entretanto, Toph estava acampada em uma floresta, junto de uma caravana de mercadores que rumavam para o reino de Tollon, levando víveres e esperando obter madeira negra para comércio.
Era uma noite fria e o vento feria seu rosto enquanto ela praticava suas artes um pouco afastada do acampamento. Foi quando um som ensurdecedor invadiu sua mente. Era como o som de uma trombeta ecoando de forma estrondosa, não natural. Era algo sobrenatural, pensou Toph, pois ela, mesmo com sua audição apurada, não conseguiu determinar a fonte do barulho. Era como se ele surgisse de todos os lugares e nenhum ao mesmo tempo. Não houve deslocamento de ar, nada que pudesse produzir tal ruído. Era como se as trombetas tocassem diretamente em sua mente. Toph se assustou pela primeira vez em muito tempo.
Retornou ao acampamento e sentiu o desespero que tomava conta dos viajantes. As respirações ofegantes, choros suprimidos, gritos engolidos a seco, todos estes sons e sensações vinham até Toph. Ela soube então que não era coisa da sua mente, mas que todos tinham tido a mesma experiência desagradável.
Então o improvável aconteceu. Um sentimento de nostalgia se apossou de Toph. Uma saudade e uma preocupação com sua família. Toph lembrou-se de seu pai, e desejou vê-lo, ainda que não guardasse em sua mente qualquer boa lembrança daquele homem. Lembrou-se das poucas pessoas que a tratavam com algum carinho em sua casa, os criados de seu pai, e seu coração ficou aflito.
Toph abandonou a caravana e rumou de volta para sua casa. Foi longa sua jornada de volta já que transpor tantas léguas era uma árdua tarefa, especialmente para uma garota cega que viajava sozinha.
Faltavam poucas milhas para Toph chegar finalmente em casa, quando algo estranho aconteceu. Toph ouviu uma voz, estranhamente familiar que, a exemplo da misteriosa trombeta de meses atrás, parecia falar diretamente dentro de sua mente. A voz era fraca e distante e se expressava entre pausas, como se fizesse grande esforço para se pronunciar. A voz disse uma única frase:
_ Apresse-se! Antes que seja tarde, Toph!
Sem hesitar, Toph pediu ao homem que lhe dera carona dias atrás, um anão vendedor de armas, que acelerasse a marcha. Sem compreender, mas sem questionar, o anão chicoteou os cavalos dobrando a velocidade.
Toph finalmente chegou em sua vila. Mas já era tarde. O vilarejo estava em chamas! Toph podia ouvir os gritos e lamentos em meio ao som crepitante das chamas. Ouvia o desabar das casas, sentia a poeira e as cinzas que eram trazidas pelo vento morno. Toph entrou em um estado de semi-choque. Ela caminhou por entre as ruas flamejantes sem temer. Sentia as pessoas desesperadas, tomadas pelas chamas se debatendo ao seu redor. Sentia suas vidas sendo consumidas pelo fogo até cessarem completamente num grito sufocado de desespero. Desespero sem dor. Toph ficou espantada após passar pelo quarto moribundo. Seus corpos em chamas não emitiam calor, seus gritos eram de medo, não de dor. Toph, correu até sua casa, tomando cuidado para evitar as chamas, mas era tarde. A porta de entrada havia sido consumida pelo fogo e nela Toph sentia uma temperatura mais elevada. Já na entrada topou com uma criada em prantos.
_ Senhorita Toph...fuja... – soluçava a mulher.
_ Onde está meu pai? – perguntou a menina.
A mulher não pode responder, já que sua voz era abafada, como se algo tapasse sua boca. Toph sentiu apenas um leve deslocamento de ar, como se a empregada movesse um membro. O crepitar do fogo extinguiu-se junto com a vida da mulher. Toph tocou seu corpo com pesar. Estava frio. Era como se a mulher, ao invés de cinzas, tivesse se transformado em pedra. Um corpo de pedra fria e porosa.
Toph usou seu tato e notou que a criada apontava para um lugar, o quarto onde repousava o corpo de sua falecida mãe. Toph correu em direção ao aposento e lá encontrou seu pai.
_ Toph, minha filha...eles...eles... a levaram – balbuciava o homem, com dificuldade. Toph sentia ao seu redor o crepitar sobrenatural daquelas chamas sombrias que não emitiam calor. Ela estendeu o braço e o levou em direção ao altar onde sua finada mãe repousava. Não encontrou nada a não ser uma plataforma de pedra vazia. Os olhos cegos de Toph se encheram de lágrimas.
_ Quem fez isso? – perguntou ela entre um soluço e outro.
_ Monstros...hobgoblins... – respondeu Durin, também em pranto. – E havia um outro...enorme...parecia um javali...andava em duas pernas e usava armadura. Ha...via um...símbolo no peito...uma rosa vermelha rodeada de cristais de gelo.
_ Vou matá-los! – rugiu a menina. – Vou caçar um por um e fazê-los pagar – disse entre dentes.
_ Espere... – sussurrou o homem. Sua voz ficava mais e mais fraca. Toph ouviu o seu braço se mexer. Junto com o som dos músculos, ouviu um ruído de pedras atritando e se partindo. – Quero que fique com isto. Perten...ceu à sua...mãe. Está escondid...gaveta....secre...
A voz do homem cessou junto com sua miserável vida. O som das chamas sombrias também havia se extinguido. Toph tateou até encontrar o braço petrificado de seu pai. Seguiu a direção apontada por ele e vasculhou com as mãos o altar de sua mãe. O som de seus dedos deslizando sobre a pedra ficou diferente, revelando um espaço oco. Toph pressionou e ouviu um ruído como o de uma trava sendo desfeita. Puxou para fora uma gaveta oculta e lá dentro encontrou uma pequena caixa metálica. Toph abriu o recipiente frio e em seu interior encontrou um anel adornado. Era um fino aro de metal torcido e trançado. Sobre sua borda exterior havia uma pequena pedra multifacetada encrustada.
A garota deixou a casa e foi em direção à saída da vila. Os gritos e o som das chamas gélidas cessavam completamente. As vidas dos moradores cessavam e seus corpos tornavam-se frios e vazios como pedra.
_ Sinta... – novamente a voz que ouvira na estrada veio até Toph. E ela sentiu. A cada grito que cessava, a cada voz que se extinguia, Toph podia sentir algo como uma brisa, um sussurro, se deslocando para uma determinada direção, como que atraídos, todos convergindo para um único ponto. E, Toph sabia para onde iam: para algum lugar próximo ao reino de Tollon, onde estivera meses atrás. Ela agora tinha um rumo a perseguir.
Na borda de Kazordoon ela encontrou Hordof, o anão que a trouxera até ali. Ele a aguardava. Viu o anel em sua mão e disse tratar-se de um anel de noivado. Mais que isto. Para ajudar a garota, prometeu leva-la até seu destino em sua carroça.
_ Já que você vai até Tollon, irei acompanha-la até lá. Poderei conseguir algumas daquelas armas mágicas de madeira e fazer bom lucro com elas. Mas não irei interferir em sua jornada, menina. Apenas lhe darei uma carona – disse o anão.
Era o dia 27 Wynn de 1400. Assim Toph se despediu de sua antiga vida e das pessoas de sua infância e iniciou sua jornada, seria uma jornada de sangue. Meses depois, estava finalmente de volta a Tollon, perto do ponto para onde os sussurros das vidas dos aldeões convergiam. Em sua viagem sentiu diversas outras vezes o fluxo de energia convergindo para o mesmo ponto, mas vindo de direções diferentes. Hordof dormia na carroça quando Toph foi atraída pelo som de uma flauta ecoando pela floresta de madeira negra. Seguindo o som, Toph se aproximou de um acampamento. O som das chamas crepitando e o aroma de comida encheu sua boca d’água e ela seguiu o cheiro instintivamente.
Toph retornou de seu devaneio nostálgico. Ao seu lado, o homem continuava em pé, com o arco retesado, pronto para disparar.
_ Vou pedir apenas mais uma vez – ameaçou ele. – Apresentem-se! – puxou ainda mais a corda.
_ Espere! Não atire! Sou Theon Leejer, clérigo de Khalmyr! Não vim aqui lhe fazer mal – uma voz veio da mata escura, seguida de um humano jovem e de rosto belo e perfeitamente barbeado. Vestia uma armadura metálica em cujo peito o símbolo sagrado do Deus da Justiça reluzia sob a luz das chamas. – Estou numa missão sagrada e da mesma maneira que a menina, fui atraído pelo som de sua flauta e pelo cheiro de comida.
_ Então sirva-se, clérigo da Justiça! Será um prazer dividir a fogueira com você! Respondeu o dono do acampamento, acenando com o arco para que o jovem se sentasse.
_ Só tem um pequeno problema, senhor – Disse Toph. – Não tem mais cogumelo. Eu comi tudo. Estava gostoso demais – lamentou.
_ Ora, não se preocupe, Magaira. Isso não é problema. Theon, há muitos cogumelos naquele saco ali. Pode assá-los e comer à vontade.
_ Oh! Muito obrigado ! – agradeceu o clérigo enquanto abria o saco e espetava fungos nos espetos de madeira. – E o seu nome, qual é?

_ Eu sou Mavastus! E vocês, já disse para se saírem de seus esconderijos! – Mavastus disparou sua flecha.